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OPINIÃO

Sociedade-Providência: imperativo categórico sócio-político hoje

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Antes de entrar no cerne desta questão, é indispensável falar do Estado social. Na visão de Marshall (apud Shell, 2006), para garantir o acesso aos benefícios sociais fundamentais (saúde, educação, trabalho, habitação etc.), surge o Estado de bem-estar social, também conhecido por Estado assistencialista, ou, então, welfare state. Este tipo de Estado busca, por um lado, a regulação do mercado, através da intervenção activa do Estado; e, por outro, procura oferecer um conjunto de políticas, financiadas pelo governo, visando garantir a segurança social dos cidadãos.

Todavia, as transformações económicas que ocorreram no mundo, especialmente as mudanças sociais, como o desemprego generalizado e o aumento da longevidade dos cidadãos, colocaram em crise a capacidade do Estado em financiar políticas sociais, pois este passou a ter mais despesas do que arrecadação (Shell, 2006). Esta crise, chamada geralmente “crise fiscal” do Estado, levou governos a adoptar duros programas de ajuste, fortemente inspirados nas ideias do neoliberalismo que defendiam o livre mercado, a não intervenção do Estado na economia e cortes nos gastos sociais.

Sendo assim, reinventar formas de protecção social, no contexto de uma sociedade que apresenta profundas transformações, por conta das mudanças económicas e também sociais em curso, é um dos desafios políticos da actualidade, pois, per se, o Estado não consegue cobrir todos os riscos sociais. A Terceira Via, proposta por Giddens (1990) na Grã-Bretanha fazia apelo, sem pôr em causa o Estado social,  à força da sociedade civil e às solidariedades que nela se desenvolviam, abrindo caminho para um novo modelo de Estado social: o Estado garante de direitos. Neste modelo de Estado, não é necessário que sejam os serviços públicos estatais a assegurar, aos cidadãos, as prestações correspondentes a todos os seus direitos sociais. O que é preciso é que o Estado seja garante dessa concretização, estimulando, para o efeito, a sociedade civil a actuar, isentando-a de impostos ou conferindo-lhe outros benefícios, se ela agir, sobretudo, sem fins lucrativos, ou com fins filantrópicos.

É daqui, que surge a “welfare mix”, enquanto resultado quer do enfraquecimento do primeiro sector (Estado), quer da incapacidade do segundo sector (Mercado) em resolver problemas sociais.  Abre-se, desta forma, o caminho para a intervenção de um terceiro sector (Sociedade Providência) (Santos, 1995), de suma importância para a cobertura dos riscos e do bem-estar socias. Por “terceiro sector” refere-se ao conjunto de organizações que, não sendo públicas, desenvolvem actividades de interesse público sem fins lucrativos como, por exemplo: ONG, OSC, OCB, Confissões Religiosas… Portanto, é indispensável, da parte do Estado, a necessidade de encontrar meios de parceria com instituições privadas. Estes parceiros, segundo Ferreira et al., (1993: 59), “pelo conhecimento que possuem das necessidades da população, poderão desenvolver uma solidariedade directa diferente da solidariedade mecânica do Estado”.

Com a Sociedade-providência, não há mais políticas de protecção social focadas para as comunidades, mas políticas de protecção social sugeridas pelas próprias comunidades. Uma Sociedade-providência, que percebe e realiza a solidariedade como empreitada de todos, tenderá a dar lugar à um Estado social garante de direitos, isto é, um Estado que não é apenas prestador de serviços sociais, mas que também cria as condições necessárias para sua efectivação, através de uma vasta rede de instituições ou organizações particulares. Hoje, a sociedade civil solidária sente, cada vez mais, a importância do voluntariado social, como acontece quando há infortúnios, calamidades naturais, e não só, como são os casos dos ciclones, cheias, acidentes, doenças, etc., em Moçambique. Neste novo contexto, embora objectivamente distintos, Estado e sociedade civil não são concebidos como realidades isoladas, mas complementares. Interagem seja para melhor definir, consensualmente, as várias políticas públicas na área da educação, saúde, cultura, habitação entre outras áreas, seja para se obter, mais facilmente, confiança geral sobre a execução das políticas públicas.

Assim, conclui-se que, nos dias de hoje, o Estado, per se, já não consegue fazer cobro a todos os problemas sociais. Por isso, urge a necessidade da intervenção de um terceiro sector (sociedade civil organizada), muito relevante para fazer face aos riscos sociais. Ou seja, num mundo dominado pelo neoliberalismo, mais do que nunca, os actores sociais assumem um papel especial, quando o Estado não consegue cobrir todos os problemas ou riscos sociais resultantes da sua própria fraqueza e da incapacidade do Mercado. Daí a grande necessidade de encontrar meios de parceria com instituições privadas, a tal parceira público-privada, sobremaneira daquelas instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos. É assim que a Sociedade-providência é um imperativo categórico, pois é a condição sine qua non para o almejado desenvolvimento sustentável, rumo ao bem-estar social. Portanto, têm razão os latinos quando dizem: “nunca uno, raro duo, semper três”.

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