MUHIKOTHIHE
O regresso e ameaça dos mortos do nosso tempo
Em algumas culturas a morte tem sido encarada com muita naturalidade e, geralmente, o funeral acontece sem necessitar de muitos alaridos. Mas em África e não só, não é assim, os mortos vivem entre nós e connosco.
Na aldeia global, onde a fronteira de território reside apenas no passaporte e nas normas dos estados e publicadas em documentos formais, temos tido contacto com realidades que provam a eterna convivência com os mortos.
Há quem tenta manipular-nos, que a relação com a ancestralidade acontece exclusivamente na Ásia (Indonésia, Sri-Lanka) e em África, contudo, onde zelamos pela vida pós-morte dos nossos entes. Porém, nos séculos 17-19, na Europa Ocidental (Reino-unido) era comum preparar os mortos e tirar fotos de família com eles. As crianças e mulheres eram tidas como os que a morte lhes aumentava a beleza.
Aliás, uma notícia da BBC-News de 6 de Junho de 2016 refere que, “Fotografar parentes e amigos depois de mortos pode parecer algo mórbido nos dias de hoje. Mas na Era Vitoriana britânica (1837-1901), fazer imagens dos falecidos – e até mesmo juntar-se a eles no registro – era uma maneira de homenageá-los e de tentar arrefecer a dor da perda.”
Decidi falar dos mortos, pois nem todos os que morrem descansam em paz, outros são cremados pela sua própria tradição ou por livre manifestação do último desejo, ou última vontade antes de morrer, uns são enterrados com seus pertences ou com as mulheres que mais amaram. Quando não se honra esse pedido, tem havido a revolta dos mortos que perseguem os seus próximos.
De facto, há mortos e mortes. Alguns mortos são muito mais importantes que muitos vivos. O fenómeno Azagaia, que passou desta vida colectiva para onde residem os maiores revolucionários que Moçambique teve, é prova de como alguns mortos e mortes se tornam referências universais.
E por que razão muitos jovens e adultos que se acham livres e independentes [inclusive os polícias que fizeram história para não perderem a onda da revolta e marcha, indirectamente], sem restrição de pertença partidária estão se batendo em homenagens e (re)significação das obras de Azagaia? Eles podem estar com medo do regresso malevolente do AZAGAIA. Não querem sofrer de noite, nem de dia pelas ruas sendo perseguidos pelo seu mais recente ancestral. É questão de lealdade e não de fidelidade.
Se quiserem provar, passeiem nos murais de muitos jovens intelectuais e ou políticos moçambicanos, nas redes sociais, informados suficientemente, eles falaram de várias formas do Azagaia. O Azagaia é um dos objectos de estudo em universidades europeias. Só para citar um exemplo vivo, fui convidado a dar uma aula sobre a cultura dos PALOPs na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, no curso de licenciatura em literatura. Aí, percebi que no dia anterior, a professora da disciplina de Artes e Cultura estava a discutir com os alunos o Fenómeno Azagaia em Moçambique.
A importância que Azagaia tem tornou-se uma ameaça para as forças de defesa e segurança em Moçambique, sobretudo, os superiores com o poder de emitir ordens. Nunca vi um morto que assiste futebol com os vivos, mas Azagaia veio de volta do seu túmulo nesta 3ª feira (28 de Março) e assistiu o jogo entre Moçambique e Senegal. Se a memória não me atraiçoa este foi o segundo jogo que Azagaia assiste em menos de 2 meses entre, os então “ mambas[-mambas a nossa selecção, mambas-mambas a nossa selecção… cantem comigo]” e a selecção senegalesa, o 1º, ele estava vivo, em Fevereiro de 2023 (CHANI- interno) e o 2º, este que ele regressou morto ao Estádio Nacional do Zimpeto. Em fim, se eu pudesse, depois de morrer, iria regressar para ameaçar aquele que tendo conquistado certificado universitário com seu próprio suor, iria preferir ignorar da minha existência neste mundo vago e incerto, onde vivi “feliz do meu jeito”. Até breve, Muhikotihe.
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