OPINIÃO
A Liberdade sob Vigilância

Há leis que nascem com alma de justiça. Outras, porém, vestem a roupa da liberdade, mas trazem nas costuras o fio invisível do controlo. A nova Proposta de Lei da Comunicação Social chega assim: sorridente no papel, sombria no espírito. Diz proteger a imprensa, mas fala com a voz doce de quem prepara o silenciador.
Comecemos pelo artigo 21 — um verdadeiro truque de mestre. Ele diz que o Estatuto do Jornalista e o Código de Ética devem ser aprovados pela Assembleia da República. À primeira leitura, parece gesto nobre: dar dignidade institucional à profissão. Mas, ao virar a página, percebemos o truque. Se é o poder político quem define o comportamento ético de quem o fiscaliza, então já não temos ética — temos obediência. É como se o carteiro tivesse de pedir permissão ao destinatário antes de entregar a carta.
No artigo 23, vem o segundo golpe: limitar o investimento estrangeiro a 30%. A intenção declarada é proteger a soberania nacional; o efeito real, porém, é fechar as janelas ao vento novo. Num país onde muitos jornais sobrevivem à força da coragem e da solidariedade, negar parcerias é condená-los a respirar pela palhinha. E o ar rarefeito não faz bem à liberdade.
O artigo 36 é quase poético — mas de um lirismo autoritário. Obriga os jornais e rádios a publicarem, gratuitamente, notas e mensagens oficiais. Traduzindo: a redação vira extensão do gabinete do Estado. O microfone, antes instrumento da verdade, passa a ser alto-falante do poder. E o jornal, esse espaço sagrado de pluralidade, transforma-se em mural de comunicados. A liberdade de imprensa, aqui, é tratada como funcionária do turno da manhã.
Os artigos 49 e 50 trazem o chicote jurídico: multas, suspensões, e até prisão para os reincidentes de “difamação” ou “injúria”. Palavras tão elásticas que cabem nela tanto o insulto gratuito como a denúncia legítima. O resultado é previsível: o medo passa a ser redator-chefe.
E quando o medo escreve, a verdade esconde-se atrás da vírgula.
O artigo 52 fecha o cerco com elegância perversa: permite suspender publicações que, na visão do tribunal, ponham “em causa a ordem pública”. Mas o que é “a ordem pública”, senão a ordem do poder? O jornalismo nasceu para desorganizar confortos, não para servir de guarda de honra à estabilidade dos poderosos. Uma imprensa que teme ser suspensa é como um pássaro que tem medo do vento.
E então chega o artigo 22, limitando os correspondentes estrangeiros a dois por órgão e cobrando taxas pelo privilégio de observar Moçambique. É como se dissessem ao mundo: “entrem, mas tirem os sapatos e falem baixo”. A informação, que devia viajar livre, passa a ser controlada como quem carimba passaporte.
No fim, a lei diz que vem modernizar. Mas o que se moderniza aqui não é a liberdade — é o controlo. Não é a voz — é o filtro. O Estado aparece como jardineiro zeloso, mas o que rega são as flores que não crescem demais.
O jornalista moçambicano, esse teimoso semeador de palavras, sabe que liberdade não se agradece — exerce-se. E quando uma lei tenta ensinar-lhe o contrário, é sinal de que a caneta precisa, mais do que nunca, de tinta e coragem.
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