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OPINIÃO

Papel da Academia na conscientização sobre o espírito de Cidadania (II parte)

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É tempo de exercer a cidadania, i.e., de dizer a verdade. Como dizem os latinos: facere scientiam est veritatem invenire et eam comunicare, et in veritas scientia est” (fazer ciência é descobrir a verdade e comunicá-la, e na ciência está a verdade). Contudo, para dizer a verdade, é preciso conhecê-la, isto é, é necessário ter conhecimentos, o know how. Para se ter o know-how é preciso estudar com afinco, seriedade, serenidade e responsabilidade. Não é fazer de conta de que se está a estudar, como acontece, infelizmente, vezes sem conta.

As academias/IES africanas/moçambicanas, hoje, devem contradizer a mentalidade medieval de fuga mundi (universidades elitistas e fechadas no seu saber), e optar pelo adágio actual/moderno ama mundi (universidades abertas para contribuir no diagnóstico e/ou na resolução de problemas do mundo/sociedade). Só assim, estar-se-á a imortalizar aqueles africanos que tanto lutaram, com suas ideias e forças, para a libertação da mãe África, do jugo colonial; só assim, os académicos serão verdadeiros cidadãos de corpo e alma, e de espírito e verdade.

Mas, por que hoje, do que ontem, a cidadania é um imperativo categórico? Hoje, a democracia não representa cabalmente as aspirações da sociedade, devido a vários factores, entre eles: a falta de cultura democrática nos partidos políticos, onde impera a disciplina do alinhamento político-partidário; a ditadura do voto da maioria, no parlamento, onde os deputados tornam-se meras caixas de ressonância dos partidos (pois, estão “amputados” dos seus deveres de verdadeiramente representar o povo); a insignificância dos parlamentares que, vezes sem conta, só estão lá “para-lamentar” (escolinha do barrulho) ou “para-se-alimentar” (a procura de mordomias, isenções e imunidades).

Diante disso, podemos dizer que a Democracia se tornou uma Partidocracia.  Esta visão, também é trazida à tona pelo jurisconsulto moçambicano, Edson Macuácua, no seu livro Riscos do Sistema Político Moçambicano (2023: 35), ao afirmar que “temos uma democracia de partidos, pois são os Partidos que concorrem à Assembleia da República, e os votos são direccionados a estes, sendo que os candidatos individualmente considerados não têm relevância. Assim, a qualidade dos Deputados a serem eleitos, a sua representatividade política e social depende de escolhas feitas pelos Partidos Políticos, que muitas vezes, podem não corresponder às expectativas dos cidadãos eleitores”. 

E por conta disso, continua ele, “uma vez que os Deputados não são eleitos individualmente, mas sim através dos Partidos Políticos, eles estão vinculados à disciplina partidária; não podendo ter decisões independentes, recebem orientações da chefia da Bancadas Parlamentares sobre o sentido do voto, e as chefias da Bancadas Parlamentares, por sua vez, recebem orientações das respectivas direcções dos Partidos Políticos que representam, daí que as decisões são tomadas por bancadas parlamentares, sob orientação dos Partidos Políticos”.

Dentro desta calamitosa, senão catastrófica realidade, o proeminente sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos (2007) abona que a democracia ao se reduzir ao simples facto de escolha de representantes, por meio do voto, sem a participação efectiva da sociedade, desvela lacunas, incoerências e até paradoxos, o que torna imprescindível a democracia participativa e pluralista.

Portanto, é necessário criar uma democracia à altura do momento histórico – uma democracia participada política e economicamente, uma democracia que sai do “palácio” (parlamento) e entra na cultura de todas as pessoas, passando, assim, a ser uma democracia quotidiana e incisiva, que conjugue a representação e a participação. É com este tipo de democracia que as necessidades e iniciativas da sociedade tomam primazia, e as pessoas são tidas como sujeitos/cidadãos (e não objectos) do seu próprio destino.

É por meio da democracia participativa que os que não fazem parte do Parlamento, são incluídos, dentro do espírito de cidadania, do processo democrático, a contribuir para a formulação de políticas públicas. É assim que se pode falar de Boa governação, que exige transparência, accountability, responsabilidade… Por outras palavras, é preciso que cada moçambicano se assuma como sujeito/protagonista da sua história.  Como afirma um antigo estadista americano, Abraham Lincoln: “Não poderás ajudar aos homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios”.

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1 Comment

1 Comments

  1. Silvio Francisco

    Setembro 28, 2024 at 11:38 am

    O papel da academia na conscientização sobre a cidadania é crucial, professor. Especialmente em contextos como o de Moçambique, onde os desafios políticos e sociais são evidentes.

    A crítica ao parlamento, onde os deputados se tornam meras “caixas de ressonância”, essa foi uma das varias passagens que reflectir sorrindo, pois ela reflete uma realidade que muitos países africanos enfrentam. Quando os representantes não actuam como verdadeiros porta-vozes do povo, mas sim como figuras que buscam privilégios pessoais, de facto Dr a democracia e a cidadania estão comprometidas. Em Moçambique, onde a desigualdade e a luta por direitos básicos ainda são questões prementes, a educação pode ser uma ferramenta poderosa para empoderar cidadãos, incentivando-os a exigir mais dos seus representantes e a participar ativamente da vida política. Além disso, fomentar um debate saudável sobre os deveres dos parlamentares e a responsabilidade deles em relação ao povo pode ajudar a restaurar a confiança nas instituições.

    O artigo, certamente está contribuindo para um debate necessário sobre todos os pilares que moldam a cidadania e o cidadão.

    Meus parabéns professor por trazer a segunda parte desta rica reflexão sobre o rumo que o país e a África está levar.

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