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OPINIÃO

Cultura/Tradição da África subsaariana na era da Globalização

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Apesar das vantagens da apregoada globalização, um dos seus efeitos nefastos é destruição de usos e costumes, manifestações culturais e/ou tradições locais, entre outros aspectos. África não podia ser excepção, numa era da globalização da cultura ou da cultura da globalização.  Todavia, a imensa e secular riqueza dos valores humanos e espirituais da cultura tradicional africana se manifesta, de forma natural e espontânea, na vida das pessoas, das famílias e dos povos através de convicções e crenças, ritos e cerimónias, na sua relação ao sobrenatural e ao mistério da vida e da morte.

Portanto, várias são as características da cultura ou tradição da África subsaariana, dentre elas:

Oralidade: em África não existiam livros, nem bibliotecas, nem arquivos, mas há uma memória colectiva da comunidade, recordações condensadas nas instituições viventes como famílias, clãs com os seus sábios, nos contos e rituais. É dentro disso que o historiador e poeta maliano, Amadou Hampaté Bá afirmou que: “quando um velho morre em África, é como se uma biblioteca se consumisse em chamas”. Através da literatura oral, a sociedade africana se auto-interpreta e se explica, narra a sua história, as suas ideias, os seus sofrimentos e as suas esperanças.  Portanto, a palavra constitui o meio para conservar e transmitir o património comum herdado dos antepassados, estabelecendo assim a comunhão vital entre os viventes e os mortos.

Sentido do Sagrado: faz com que o africano tenha uma visão da realidade mais espiritualista do que materialista. Todavia, essa visão, que não é má per se, cria uma mentalidade que o impulsiona para a buscar a certeza em todas as coisas para não desagradar os espíritos. Isto o leva a consultar frequentemente os adivinhos. Assim, o adivinho acaba assumindo uma tal importância que se torna um mito: o da certeza. Consequentemente, essa visão cria uma sensação de medo, medo de espíritos que vão e vêm por todos os lugares, particularmente os espíritos maus dos bruxos. Isto faz com que se veja por todos os cantos inimigos reais ou imaginários, dos quais é preciso defender-se. Assim, o sacerdote da religião tradicional, que acreditamos ser capaz de curar e explicar tudo, torna-se o messias, aquele a quem se recorre para se ter segurança.

Importância dos Antepassados: eles são guardiães zelosos que garantem a protecção e a transmissão fiel das tradições e que punem implacavelmente qualquer transgressão e falta de respeito em relação à herança cultural.

Pedagogia de Iniciação Ritual (Ritos de Iniciação): entre os vários métodos de transmissão da cultura/tradição africana é de destacar narrações, cantos e danças, jogos, exemplo de vida dos anciãos… A formação e a educação geral desenvolvem-se no contexto da vida cotidiana, mormente através da observação do exemplo dos anciãos, por parte dos jovens. Outro tipo de formação é a iniciação religiosa e tradicional/social onde os jovens aprendem, graças a um processo gradual e progressivo de iniciação, os mistérios e os segredos da vida e da tradição. Portanto, o método de iniciação ritual (ritos de iniciação) caracteriza-se como uma verdadeira educação africana tradicional.

 Para além destas características, da cultura ou tradição da África subsaariana, há valores que permeiam esta mesma cultura:

Relação e participação comunitária e familiar: a sociedade africana é uma assembleia convocada permanentemente para celebrar os detalhes mínimos da vida: nascimento, crescimento, casamento, plantio e colheita, doença e morte… Tudo isso se faz em comunidade ou em família e, quando possível, com a participação de todos os membros, vivos e mortos.

Profundo sentido religioso: os africanos têm uma concepção profundamente religiosa de vida e de existência. A religiosidade penetra em todos os momentos da vida (desde o nascimento à morte, e até depois da morte), cobre todas as esferas da existência e influencia os comportamentos individuais e colectivos. Noutros povos, os ditames religiosos estão plasmados em “escrituras sagradas”, mas em África, mantém-se o seu carácter exclusivamente oral. Todavia, trata-se de uma religião verdadeira e autêntica, que abraça toda a vida de uma pessoa, e determina profundamente a sua linguagem, o seu pensamento, os seus temores, as suas escolhas e as suas atitudes individuais e comunitárias.  Daí que podemos afirmar que a Religião é o elemento mais forte e dominante, ou seja, o coração da cultura tradicional africana.

Numa era da Globalização, mas também da pós-modernidade (que advoga o retorno às raízes, à tradição ou ao “bom selvagem”) é imperioso meditarmos sobre a nossa realidade vivencial/local africana, sobretudo a pluralidade e a diversidade das formas de expressão dessa cultura, um autêntico mosaico de manifestação cultural de povos, etnias, tribos, clãs… Apesar dessa pluralidade e diversidade, existe, em toda a África subsaariana, uma unidade cultural de base, que se manifesta nos seguintes aspectos: o princípio da relação e participação comunitária (Filosofia Ubuntu: sou, na medida em que participo; diferente da Filosofia Ocidental: “Cogito, ergo sum”, isto é, sou na medida em que penso); a profunda religiosidade e abertura ao sagrado (transcendente/espiritual); a crença na imortalidade e na intermediação dos espíritos (dos antepassados); a prevalência do bem comum sobre os interesses individuais; o forte sentido de família alargada; os valores de: solidariedade, hospitalidade, amor, fecundidade, veneração aos idosos… Podemos assim concluir que, apesar de se estar a viver numa aldeia global, é preciso respeitar e valorizar os usos e costumes locais (da aldeia local), que até devem ser globalizados. Daí a necessidade de se passar da globalização à glocalização.

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