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SOCIEDADE

Nicaquela: “Memória da escravatura em Moçambique continua colonizada”

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O Professor Doutor Wilson Profírio Nicaquela lançou um alerta contundente sobre a forma como Moçambique preserva e transmite a memória da escravatura. Ao intervir na 7.ª Conferência Internacional do IESE, realizada em Maputo, o académico afirmou que a narrativa sobre a escravatura permanece marcada por um “conhecimento colonizado”, que perpetua a hegemonia histórica e apaga as vozes das comunidades directamente afectadas.

Segundo Nicaquela, a forma como os monumentos e locais históricos são apresentados tende a suavizar a violência do passado. “O discurso oficial e patrimonial eufemiza práticas cruéis e discriminatórias, transformando locais de sofrimento em simples pontos turísticos ou símbolos neutros, desprovidos do peso da dor colectiva”, sublinhou.

O investigador recordou que a Ilha de Moçambique, a chamada “Rampa da Escravidão”, as antigas feitorias, as plantações de sisal e algodão, bem como a Fortaleza e as linhas férreas coloniais, constituem marcas visíveis da escravatura no norte do país. No entanto, essas marcas raramente são interpretadas como espaços de memória crítica. “Ao serem descontextualizados, estes lugares deixam de contar a verdadeira história”, acrescentou.

A sua investigação baseou-se em relatos orais de residentes com idades entre 18 e 85 anos, que trouxeram à tona sentimentos de indignação, tristeza e revolta. Muitos afirmaram que a escravatura não é apenas uma página distante do passado, mas um fenómeno que atravessou gerações, afectando profundamente a identidade local. “A memória persiste, mas o modo como é ensinada e preservada não faz justiça à dor vivida”, resumiu o académico.

Para Nicaquela, a descolonização do conhecimento não pode restringir-se à academia, devendo ser um projecto amplo e participativo. Envolve, segundo explicou, a colaboração de pedagogos, historiadores, geógrafos, artistas e líderes comunitários na reconstrução da narrativa histórica. “É nas vozes locais, nos testemunhos de quem viveu e herdou estas experiências, que se encontra a chave para ressignificar a nossa memória colectiva”, defendeu.

O académico propôs que meios de comunicação, escolas e universidades assumam um papel central nesse processo. Defendeu a introdução de rubricas especiais em rádio, televisão e imprensa escrita, bem como a inclusão de conteúdos críticos nos currículos escolares. “Trata-se de transformar a memória num instrumento de aprendizagem e dignidade histórica, em vez de um registo frio e distante”, reforçou.

Ao concluir, Nicaquela advertiu que, se o país não avançar neste sentido, continuará prisioneiro de uma narrativa que não lhe pertence. “Descolonizar a memória da escravatura é libertar o nosso olhar sobre a história, é contar o passado a partir das nossas próprias vozes, para que as gerações futuras saibam de onde vêm e para onde podem caminhar”, afirmou, recebendo aplausos da plateia composta por académicos, investigadores e decisores políticos. Faizal Raimo

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