OPINIÃO
Moçambique, uma Nação de Surdos
Era uma vez um país chamado Moçambique, onde o som do silêncio reinava nos salões do poder. Não que não houvesse barulho – oh, havia muito! Eram os gritos dos jovens desempregados, o choro abafado de mães que perderam filhos para o terrorismo em Cabo Delgado, os gemidos de famílias devastadas por sequestros, e o murmúrio sombrio dos anciãos cansados de esperar por um futuro que nunca chegou. Mas para os ouvidos privilegiados de quem detém o poder, era como se um encantamento divino os tornasse surdos a todo e qualquer clamor.
Nos livros de história, aprendemos que grandes impérios caíram porque as oligarquias ficaram cegas à realidade. Roma foi esmagada sob o peso de sua própria corrupção, e os faraós do Egipto encontraram a ruína ao ignorarem os avisos dos escravos que construíram suas pirâmides. Contudo, em Moçambique, a queda parece ser orquestrada por um fenómeno diferente: não a cegueira, mas a surdez. Uma surdez que se espalha como uma praga e que afecta todos os que se sentam em cadeiras confortáveis e privilegiadas, em salas com ar-condicionado e mesas cheias de contratos suspeitos.
A Orquestra da Desigualdade
Em um país onde mais de 75% da população caiu na pobreza extrema nos últimos dez anos, um estranho espectáculo se desenrola. No palco central, os ricos dançam ao som do tilintar de moedas e das transferências bancárias para contas no exterior. Enquanto isso, a plateia – composta por jovens desempregados, agricultores arruinados e comerciantes pequenos – assiste, calada, pois sua voz não encontra eco.
Os jovens, que representam a maioria da população, esperam ansiosamente por oportunidades de emprego, mas o que encontram são discursos motivacionais vazios. “Empreendam!”, Dizem os líderes, como se abrir uma barraca de bolinhos fosse resolver o problema estrutural de um mercado de trabalho falido. “Tenham esperança!”, pregam, enquanto o tráfico de drogas cresce de forma alarmante e jovens sem alternativas se tornam vítimas ou cúmplices do sistema criminoso.
Em Cabo Delgado, o terrorismo pinta o cenário de vermelho. Para o governo, é apenas “um pequeno desafio”, tratado com seriedade. As comunidades, por outro lado, vivem sob o constante medo de ataques, deslocadas de suas casas e com uma vida de incertezas. Em Maputo, os senhores do poder tratam a crise como uma fofoca distante, um ruído de fundo que não perturba o som cristalino de suas taças de champanhe.
Sequestros e Silêncio
Os sequestros se tornaram uma epidemia que assombra famílias ricas e pobres. Para os dirigentes, no entanto, isso parece um “detalhe logístico”. “Ah, foi só mais um empresário levado por raptores? Bem, a economia continua forte, não é?”, diriam, se ao menos reconhecessem os fatos. Talvez o problema seja que os sequestros não acontecem em seus círculos íntimos. Afinal, quando se tem motoristas blindados e uma frota de seguranças, o som das correntes dos sequestradores nunca chega até os ouvidos de quem decide.
Terrorismo? Que Terrorismo?
Em Cabo Delgado, o terrorismo se tornou uma ferida aberta na nação. Mas para os surdos do poder, é apenas um “simples assunto”. Eles preferem organizar fóruns internacionais cheios de promessas e com palavras sofisticadas, enquanto o povo continua a sofrer em silêncio. Quem é mesmo Cabo Delgado? Ah, é o nome de uma mamana que vende muatranca ni sololo na esquina, dizem.
O que impressiona é como a retórica oficial transforma tragédias em abstrações. Pessoas mortas são “baixas civis”; aldeias queimadas são “problemas operacionais”. Mas a realidade é que, longe da fantasia burocrática, as pessoas estão morrendo, e as que sobrevivem estão perdendo tudo – suas casas, sua dignidade, sua esperança.
O Grande Mercado da Droga
Não podemos esquecer do tráfico de drogas, uma indústria que floresce como se fosse um ramo do turismo oficial. Moçambique tornou-se uma rota preferida para traficantes internacionais, mas, curiosamente, as autoridades dizem que são meras falacias de agentes externos, vulgarmente tratados como a “mão externa”. Claro, porque admitir que a corrupção interna é o motor desse problema seria blasfemar contra o sistema.
Enquanto as drogas entram e saem pelas fronteiras e portos, os jovens vêem suas comunidades serem desintegradas por vícios e crimes associados. Mas os senhores do poder só ouvem o som das moedas que caem em seus bolsos – um som que, curiosamente, nunca é abafado pela surdez que os afecta para todos os outros ruídos.
A realidade satírica do Poder
Assim segue Moçambique, a nação de surdos, onde os líderes vivem em um universo paralelo. Talvez tenham ouvido falar do termo “governar para o povo”, mas decidiram reinterpretá-lo como “governar apesar do povo”. Na lógica surreal, tudo é resolvido com relatórios. Os jovens estão desempregados? “Criamos um plano estratégico!” Cabo Delgado está em chamas? “Formamos um comité de estudo!” A pobreza aumentou 75%? “Estamos alinhados com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável!” Porque, afinal, não há problema que um PowerPoint bem feito não resolva.
No entanto, a surdez não é apenas literal. É também uma metáfora para a desconexão total entre governantes e governados. Enquanto o povo clama por mudanças, os líderes ouvem apenas o eco de seus próprios discursos. No teatro do poder, a audiência está gritando, mas os atores continuam a representar suas peças ensaiadas, sem perceber que o público já abandonou a sala.
Esperança ou Revolta?
A história mostra que nenhuma nação consegue sustentar desigualdades crescentes e governos surdos por muito tempo. Moçambique enfrenta um dilema: continuar como está e se afundar ainda mais ou encontrar uma maneira de romper o ciclo. A esperança, porém, não pode ser apenas uma palavra bonita em discursos políticos. Precisa ser materializada em acções concretas, que respondam ao grito do povo.
O futuro de Moçambique está em jogo, e esta geração está impaciente. Se os líderes insistirem em sua surdez, arriscam ser lembrados como aqueles que dançaram enquanto o país queimava. Afinal, até mesmo os grandes impérios caíram, e não será diferente para uma elite que se recusa a ouvir.
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