OPINIÃO
Homicídio na Adolescência: Legítima Defesa ou Alerta de Desajuste Social?

O homicídio não tem sexo nem idade. O crime, ao contrário da justiça, não distingue gênero ou faixa etária. Costuma-se dizer que a justiça é cega — e talvez o seja justamente para julgar sem se deixar influenciar por características individuais dos envolvidos. Entretanto, um episódio recente em Maputo colocou essa máxima à prova: um adolescente de apenas 14 anos matou o próprio pai. Segundo o seu relato, fechou os olhos — gesto que, em contexto religioso, pode simbolizar conexão com Deus — e, em seguida, golpeou até a morte aquele que lhe deu a vida. O caso abalou a comunidade, mas o que mais surpreendeu não foi apenas a brutalidade do ato, e sim a interpretação das autoridades, que classificaram o crime como legítima defesa. Diante disso, surge uma questão inevitável: estaria a sociedade autorizada a aceitar uma explicação tão simplista para um acontecimento tão grave?
Um homicídio cometido por um adolescente contra o progenitor exige uma análise que vá além do enquadramento jurídico. Do ponto de vista psicológico, múltiplas hipóteses precisam ser consideradas: pode ter sido um ato impulsivo, reflexo de transtornos de conduta ou personalidade em formação, resposta a um contexto de violência doméstica ou ainda uma forma descontrolada de lidar com frustrações acumuladas. Como observam Minayo e Assis em Violência e Saúde na Adolescência, a vulnerabilidade juvenil em contextos de violência é um fator de risco decisivo, uma vez que o ambiente hostil molda a forma como os jovens percebem e respondem aos conflitos. Portanto, é possível compreender que, em muitos casos, o ato homicida é também um reflexo das falhas da sociedade em oferecer proteção.
Além disso, Krug e colaboradores, no relatório World Report on Violence and Health, sublinham que homicídios cometidos por adolescentes frequentemente estão ligados a experiências de vitimização anteriores. O documento ressalta que a violência é cíclica: quem sofre ou presencia práticas violentas tem maior probabilidade de reproduzi-las. Assim, o episódio em Maputo pode ser interpretado não apenas como uma tragédia isolada, mas também como sintoma de um ciclo mais amplo de negligência social.
Um adolescente que mata não sai ileso desse ato. As consequências se desdobram em diferentes dimensões: psicológicas, como sentimentos de culpa e arrependimento ou, em casos extremos, ausência de remorso — um alerta de traços psicopáticos; sociais, como estigma, rejeição comunitária e dificuldades de reinserção; e no desenvolvimento psíquico, com maior risco de reincidência e aproximação de grupos criminosos se não houver intervenção precoce. Nesse sentido, o trabalho de Loeber e Farrington em From Juvenile Delinquency to Adult Crime é elucidativo, ao mostrar que a ausência de intervenção clínica e social tende a consolidar trajetórias criminais juvenis, transformando episódios isolados em carreiras persistentes de delinquência. Logo, não se trata apenas de punir, mas, acima de tudo, de intervir de forma preventiva e terapêutica.
Quando, porém, as autoridades enquadram um ato tão grave como “legítima defesa”, surge uma provocação: se o mesmo adolescente tivesse sido detido numa manifestação popular, será que a polícia também teria invocado a legítima defesa em seu favor? A resposta, infelizmente, talvez revele mais sobre a seletividade das instituições do que sobre a justiça em si. Como lembra Loïc Wacquant em As Prisões da Miséria, a aplicação da lei em sociedades desiguais tende a ser seletiva, penalizando com mais rigor os pobres e vulneráveis, enquanto relativiza atos de violência cometidos em determinados contextos. Portanto, a interpretação jurídica não pode ser dissociada das estruturas sociais que a sustentam.
Em síntese, o caso não pode ser reduzido a um expediente jurídico. É, acima de tudo, um alerta social, que exige reflexão séria sobre a juventude, a violência e os mecanismos de proteção e educação que estamos — ou não — construindo.
Francisco Banda, Psicólogo Clínico
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