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OPINIÃO

Dos discursos aos destroços

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Diz-se que um papagaio foi treinado por um político para repetir discursos.

O papagaio aprendeu rápido: “Vamos construir estradas de qualidade!”, “Moçambique está a avançar!”, “Ninguém ficará para trás!”

Certo dia, o papagaio fugiu da gaiola e foi parar a uma aldeia do interior. A estrada para lá era tão má, tão cheia de buracos, que até os sapos usavam GPS para evitar cair neles.

O papagaio, voando baixo, viu o estado da estrada e exclamou em voz alta:

— “Vamos construir estradas de qualidade!”

Os camponeses olharam para o bicho e disseram:

— “Esse já foi ao seminário de governação, mas também não faz nada.”

Outro respondeu:

— “Deve ser mais um a sobrevoar promessas e a cagar em cima da realidade!”

Então decidiram dar-lhe um novo nome: Papagaio de Asfalto — só fala, mas não pousa onde há buracos.

Desde então, o papagaio nunca mais repetiu discursos. Quando vê buracos, voa em silêncio. Porque até ele aprendeu que entre falar e fazer… há uma estrada longa, esburacada e esquecida.

Infelizmente, em Moçambique, já nos habituámos a ouvir discursos eloquentes, alinhados com os manuais da retórica política. As palavras fluem, as promessas brilham, os microfones aquecem. Fala-se de desenvolvimento, de inclusão, de reabilitação de vias, de bem-estar do povo. Mas, quando saímos dos salões refrigerados e pisamos o chão da realidade, o que encontramos é um país remendado, de buraco em buraco, de desculpa em desculpa.

Entre o que se diz e o que se faz, estende-se uma estrada longa, acidentada, esburacada. Nessa estrada, não passam apenas carros com suspensão rebentada. Passa também a paciência do povo, que vai sendo consumida pelo pó da negligência. Entre os discursos e os destroços, mora uma cratera aberta chamada descaso, e nela escorregam os sonhos de um país que já devia ter avançado muito mais.

Como é possível que, meio século após a independência, ainda tenhamos vilas e distritos praticamente isolados durante a época chuvosa? Como aceitar que uma simples deslocação ao hospital se transforme num percurso de horas por caminhos intransitáveis? Que tipo de desenvolvimento é este que se proclama aos gritos, mas que não chega ao terreno onde a vida acontece?

Os destroços das promessas não cumpridas estão por toda parte. Estão nas pontes prometidas que nunca saem do papel. Estão nos troços de estrada onde o asfalto foi posto só até à última curva visível da comitiva presidencial. Estão nos mercados improvisados à beira de vias poeirentas, onde os vendedores lutam pela sobrevivência sem a mínima estrutura. Estão nas escolas de barro onde ainda se aprende a escrever com lápis partido e esperança ferida.

Há uma profunda dissonância entre o discurso e a acção. E o povo já aprendeu a decifrar esse descompasso. Cada vez que se anuncia mais um “projecto de impacto”, a desconfiança cresce. Porque já vimos muito: cerimónias de lançamento com batuque e dança, placas inaugurais que brilham por um dia, máquinas que chegam só para a foto, e depois desaparecem.

É como se estivéssemos presos num teatro de encenações oficiais, onde a realidade se representa, mas nunca se resolve. E enquanto se gasta mais tempo com relatórios do que com resultados, a nação afunda-se num lamaçal que não é apenas físico, mas também moral.

A governação não pode continuar a viver de palavras. O povo não come promessas. Não se desloca em metáforas. Não chega ao hospital por slogans. Precisa de pontes reais, estradas seguras, políticas concretas. Precisa de acções visíveis que façam eco aos discursos bonitos.

Moçambique tem urgência de uma liderança que compreenda que falar é o início, mas fazer é a verdadeira medida de um compromisso. Que cada palavra dita em público seja um contrato com o povo e que cada falha em cumpri-la seja tratada com seriedade, e não com mais uma desculpa.

Porque o tempo passa. E os destroços da inércia estão a enterrar o futuro de gerações inteiras. É hora de transformar o verbo em obra, o plano em prática, o discurso em estrada. Não queremos mais discursos sobre como o país vai avançar. Queremos ver o país a avançar. Para que a estrada entre o que se diz e o que se faz deixe de ser escombro, e se torne finalmente caminho. E mais não disse!

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