OPINIÃO
O tempo das avós minissaia e o futuro das netas digitais
Recordo-me, como quem abre um velho baú de memórias, dos dias em que algumas mulheres da nossa capital-Maputo, a cidade das acácias, começaram a confundir liberdade com descuido da própria dignidade. Não eram as roupas o problema, mas a forma como se ofereciam aos olhares alheios, como se a sua essência se medisse apenas pelo corpo exposto e não pela palavra sábia, pelo gesto íntegro ou pela coragem de sonhar. Vi-as, com os meus próprios olhos, entrar em bares e mercados, de gargalhada alta e olhar provocador, exibindo-se como se o valor da mulher estivesse na vitrine do corpo e não na profundidade da alma. Muitos murmuravam baixinho: “Será este o futuro das nossas filhas?”
Naquele tempo, esse comportamento parecia modernidade, mas trazia consigo o risco de esvaziar o sentido da verdadeira emancipação. Não era revolta contra a opressão nem luta por direitos: era, muitas vezes, apenas vaidade sem rumo, moda sem essência, brilho de curto prazo. Enquanto algumas mulheres ousavam lutar para serem reconhecidas pela sua voz e inteligência, outras confundiam emancipação com exibicionismo, fragilizando a dignidade que deveria ser o alicerce da sua liberdade.
Avanço para o presente e encontro as netas digitais. Já não precisam de bares nem de ruas para se exporem; basta um telemóvel e uma ligação à internet. Estão nos ecrãs, nas selfies filtradas, nas danças que se repetem no TikTok, nas frases importadas que substituem os provérbios da avó. Porém, a diferença é gritante: se as mulheres de ontem ainda podiam encontrar no erro uma oportunidade de reflexão, hoje as netas digitais correm o risco de viver num espelho infinito, onde o “gosto” vale mais do que a identidade, e a curtida anónima substitui o conselho da anciã.
Presenciei, não faz muito tempo, uma cena que me ficou marcada. Uma jovem, neta digital, recusou-se a escutar a avó que lhe queria contar a história do seu casamento tradicional. “Avó, não tenho tempo, vou gravar um vídeo”, disse, sem levantar os olhos do ecrã. Nesse instante percebi que não era apenas choque de gerações, mas o enterro lento de rituais e memórias, soterrados pela pressa de aparecer no mundo virtual.
As mulheres sem dignidade de ontem, ainda que criticáveis, viviam na carne as consequências dos seus actos. As netas digitais de hoje, porém, podem perder-se num vazio mais profundo: o da alma desorientada, desconectada das raízes que sustentam a identidade. E sem raízes, qualquer vento arrasta.
Hoje, como cronista e testemunha, interrogo-me: que futuro construiremos se as histórias das avós ficarem sepultadas no esquecimento digital? Que sentido terão as conquistas de ontem se as netas de amanhã acreditarem que a sua vida se mede em seguidores e não em sabedoria herdada?
O desafio não está em escolher entre o bar e o telemóvel, entre o ontem e o hoje. Está em reconciliar gerações, em transformar o digital em guardião da memória, e não em cemitério da tradição. Está em ensinar às netas digitais que dignidade não é acessório descartável, mas património vital que pede continuidade.
Certo dia fui trabalhar na aldeia de Wanakùsi, no Posto Administrativo de Wanakhalipwi. Nas minhas visitas pastorais sempre gostei de dialogar e aprender com os mais velhos. Acontece que naquele dia, sentado à sombra do cajueiro uma idosa com a qual conversava, observava a neta que passava o dia inteiro a gravar vídeos para o telemóvel.
— Minha filha, vem cá! — chamou.
Ela, sem desviar os olhos do ecrã, respondeu:
— Já vou, avó, estou quase a chegar a mil seguidores!
A velha riu-se, com a gengiva toda em rugas, coçou a sua cabeça cheia de cabelos brancos e, com voz firme, disse para todos ouvirem:
— Antigamente, havia mulheres que confundiam liberdade com perder a sua dignidade. Hoje, tu confundes vida com seguidores. A diferença é que a dignidade perdida ainda deixava uma lição; esses teus seguidores, minha filha, só te deixam cansada e de pescoço dobrado!
Eu e meu animador Paroquial, o senhor Fraco desatamos a rir. E a velha concluiu:
— O valor da mulher nunca esteve na roupa que veste nem no vídeo que grava, mas na coragem de ser raiz e futuro ao mesmo tempo.
Moral da história: modas e plataformas mudam — ontem o exibicionismo, hoje o digital —, mas sem consciência e propósito, são apenas distrações. O que vale é usar cada tempo para construir futuro, sem enterrar a memória que nos dá dignidade. E mais não disse!
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