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Do impacto das mudanças climáticas à justiça climática

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Vivemos num tempo onde as preocupações pelo meio-ambiente e seus impactos sobre as populações estão cada vez mais presente no debate público, académico, e na agenda política. Isto é notório no crescente número de encontros, conferências e cimeiras, sobre o tema, que têm acontecido um pouco por todo o lado.

É preocupante, em muitas regiões do mundo, e Moçambique não é excepção, o esgotamento dos recursos naturais, a desertificação, a degradação de solos, a escassez de água doce, a perda da biodiversidade, a subida do nível das águas do mar, a acidificação dos oceanos e outros efeitos que estão a afectar gravemente as zonas costeiras – como é o caso da cidade da Beira –, para além dos ciclones, tempestades tropicais, cheias… Diante de todo este cenário, sem dúvidas que os mais afectados são os países e as populações mais pobres, ou do Sul global. Papa Francisco, na encíclica Laudato Si (2015, nº 45) alerta que: “Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afectados por fenómenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Não possuem outras disponibilidades económicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção”.

Portanto, é reconhecido que os impactos ambientais são bastante mais notórios nos países em desenvolvimento e, sobretudo, nas populações mais pobres e mais dependentes do sector primário como a agricultura, a pastorícia, a floresta e a pesca. Isto é visível em África, Ásia e América Latina. O fenómeno “El Niño”, (que já está a afectar Moçambique) é disso exemplo. Segundo a FAO (2015), este fenómeno, nas últimas décadas, na África Austral, tem levado a uma diminuição da produção agrícola e, como consequência, a um aumento de preços dos produtos agrícolas.

Dentro dos mais pobres, é ainda de salientar que as mulheres e as crianças são as mais vulneráveis. São elas que, nas zonas rurais e não só, são as principais responsáveis pela maior parte do trabalho agrícola, pela recolha de água e do combustível lenhoso para a sobrevivência diária ou segurança alimentar das suas famílias. Infelizmente, são elas as que estão mais longe dos poderes de decisão.

Nas zonas urbanas, os mais pobres também são os mais marginalizados no plano social, económico, político e institucional e os mais vulneráveis aos efeitos nefastos das mudanças climáticas. Estes, por norma, são os que habitam os edifícios mais frágeis e os locais mais propensos a catástrofes, como os leitos dos rios, riachos ou as encostas arenosas onde, em muitas cidades, foram crescendo construções clandestinas e/ou desordenadas.

Outro aspecto, não menos importante, e que afecta as populações mais pobres, é a falta de capital económico para fazer face a essas situações extremas criadas pelas alterações climáticas. Por conta disso, elas são as que têm mais dificuldades para recuperar as suas habitações ou para encontrar outra solução, bem como para a mobilidade habitacional.

O CRED-UNISDR (2016, pp. 15-18), na sua publicação “The Human Cost of Weather Related Disaster”, anota que embora não sendo os países mais pobres a sofrerem mais desastres naturais, são, no entanto, aqueles onde se registam consequências mais graves. Afirma ainda que 41% dos acidentes ambientais acontecem em países ricos, enquanto que nos países mais pobres são cerca de 26%. Todavia, nestes últimos, o número de mortos representa 89% do total, enquanto que nos primeiros representa 4% de mortes.

Como se pode depreender, estamos diante de um grande problema, sobremaneira para os países mais pobres. Quid facere? Uma resposta aos problemas ambientais deve se basear em várias dimensões ou saídas (e não apenas a técnica) e, sobretudo, numa consciência global sobre a necessidade de repensar os modos de vida, de produção e de consumo. Para sustentar esta nossa ideia, trazemos, novamente, Papa Francisco que, na sua encíclica Laudato Si (2015, nº 111), assevera: “A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada. Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial”. Portanto, a resposta deve ser global e integral.

A luta por justiça climática e de atenção aos mais afectados deve também ter em conta uma maior atenção às desigualdades produzidas pelo clima e é, para isso, necessário fomentar a cooperação internacional e reforçar a capacidade institucional para potencializar o conhecimento, os recursos humanos e os financiamentos para protecção e para conscientização das populações sobre as mudanças climáticas. É igualmente necessário promover políticas e práticas produtivas e de consumo que não degradem os países mais pobres e continuem de forma indiscriminada a explorar os seus recursos.

Para terminar, nada melhor do que evocar Martin Luther King: “Ou vivemos todos juntos como irmãos, ou morremos todos como idiotas”. Já que não somos idiotas, espero que escutemos a voz da natureza ou do ecossistema, que clama pelo cuidado, tendo em vista o nosso próprio bem. Então, sigamos o apelo de São Francisco de Assis (o patrono da Ecologia, segundo a Organização das Nações Unidas): “Até aqui, pouco ou nada fizemos. Recomecemos”.

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