OPINIÃO
A Leitura Invisível no Corredor da Cegueira
O que significa ser cego?
A cegueira é uma deficiência visual, tal como a baixa visão (amblíope), e pode ser de origem ocular, neurológica ou genética. Embora algumas pessoas prefiram o termo “deficiente visual” para evitar conotações negativas, o termo “cego” não é preconceituoso, mas sim descritivo. O verdadeiro preconceito reside em considerar a pessoa cega como incapaz.
Neste contexto, muitos escritores e editores moçambicanos, tanto no país como na diáspora, parecem desconhecer ou fingem desconhecer a existência de pessoas cegas que estudam, leem e pensam em Moçambique. Se estão conscientes desta realidade, demonstram dificuldade em compreender o verdadeiro sentido de inclusão social.
No âmbito social e educativo, a inclusão refere-se ao processo de garantir que todos os indivíduos, independentemente das suas condições, sejam físicos, mentais, estatuto socioeconómico, género, localização geográfica ou etnia, tenham acesso equitativo a oportunidades, recursos, participação e direitos, sem discriminação, podendo desenvolver o seu potencial enquanto membros ativos da sociedade (UNESCO, 2020; Frontiers in Education, 2023).
Durante uma cerimónia dedicada à literatura e à história moçambicana, realizada na cidade do Porto, perante escritores e editores moçambicanos, coloquei-lhes uma questão aparentemente simples: Por que não existem livros disponíveis em formato digital acessível aos leitores cegos?
O espanto estampado nos rostos dos presentes era evidente, tão evidente que até os cegos teriam notado. Nesse momento, percebi que o problema é profundo, mais antigo do que as próprias “barbas brancas”, mas permanece por resolver.
A Ironia da Exclusão
Por mais paradoxal que pareça, as forças vivas da sociedade moçambicana: académicos, políticos, sociedade civil, poder judicial e cidadãos comuns apelam diariamente para melhores condições e à inclusão. Porém, no virar da esquina, essa mesma sociedade esquece aqueles que vivem no mundo da escuridão e que, além do abandono, enfrentam barreiras erguidas intencionalmente para lhes negar o conhecimento, a curiosidade e a imaginação, a sua única forma de ver o mundo.
Será que escritores e editores da Pérola do Índico ainda não perceberam que em 2025, no século XXI, o tema central é a inclusão? Seria produtivo que, ao editar e publicar as suas obras, se consciencializassem de que as pessoas cegas também são leitoras, sedentas de saber, curiosidade e imaginação como qualquer outro cidadão.
O Peso de um Livro Invisível
É urgente que a sociedade pare, reflita e desperte a consciência para garantir o direito de acesso à informação, à leitura e ao conhecimento a este grupo de cidadãos que, por diversas razões, permanecem na escuridão.
Um cego que compra um livro físico, independentemente do valor pago, precisa recorrer à reprografia para o digitalizar e, posteriormente, pagar por cada página. O que para a maioria é um prazer e símbolo de cultura, transforma-se, para o cego, num luxo pesado.
O Cego Lê? Como?
Alguém pode perguntar: Se uma pessoa é cega, como consegue ler livros, mesmo digitais?
A resposta é simples: através de tecnologias assistidas, como programas que convertem texto em fala (text-to-speech) ou em Braille Digital. Estas ferramentas permitem o acesso à informação, integrando-se na área da acessibilidade digital. Entre os programas de leitura de ecrã mais conhecidos estão o NVDA, JAWS, VoiceOver e Orca, que convertem texto em voz sintetizada.
Assim, os cegos leem livros digitalizados com o auxílio destes programas, disponíveis em computadores e telemóveis.
Um Exemplo de Verdadeira Visão
Num cenário marcado pela dificuldade e superação, é justo destacar a sensibilidade do académico moçambicano, Dr. Celestino Joanguete, que ao publicar a obra A Migração da Televisão Digital em Moçambique: Processo, modelo de negócio e conflitos, disponibilizou o livro em formato digital acessível. Um gesto simples, mas grandioso que lembrou quem, tantas vezes, é esquecido: as pessoas cegas.
Apesar de a Constituição moçambicana, nos seus artigos 35º e 37º, proclamar o direito à igualdade e à proteção das pessoas com deficiência, a prática literária mantém-se excludente. Ao não disponibilizar versões digitais acessíveis das suas obras, os autores e editores violam, embora indiretamente, o princípio da igualdade e o direito à cultura e à informação.
É tempo de agir. A verdadeira inclusão social não se faz de discursos encenados para as câmaras, mas de ações concretas.
A acessibilidade digital na literatura não é um favor, é um direito humano. Se é humano, carregue este apelo e abrace esta causa nobre.
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