OPINIÃO
O Porto das Promessas Afundadas
Angoche esperava o porto como quem espera a chuva depois de uma longa seca.
Prometeram progresso, emprego, luz, dignidade.
Os jovens começaram a sonhar: imaginavam-se a trabalhar junto ao mar, a vestir coletes refletivos, a erguer um futuro que, finalmente, também seria deles.
Mas o que chegou primeiro não foi o emprego.
Foi a esperança em forma de engano.
Um trabalhador do próprio porto, conhecedor dos bastidores e dos desejos, criou uma empresa de consultoria, um atalho inventado entre a necessidade e o poder.
Com a bênção do empreiteiro principal, começou a intermediar contratações, recolher nomes, vender confiança.
Falava com voz de quem decide e prometia o que o desespero queria ouvir:
“Estamos a selecionar pessoal local. É só uma questão de tempo.”
Tempo que virou cobrança.
Cobrança que virou silêncio.
Dias depois, a consultoria desapareceu.
Sem aviso, sem explicação, sem despedida.
Levou consigo os poucos meticais de muitos jovens que acreditaram que o porto era uma ponte e não um abismo.
Hoje, muitos desses jovens circulam pelas ruas de Angoche com os papéis ainda nas mãos, fotocópias de esperança.
Alguns dizem que foi um mal-entendido, outros chamam pelo nome certo: burla.
Mas a justiça, essa que sempre chega tarde, desta vez nem saiu do lugar.
As autoridades locais fingem não saber, e o empreiteiro, que trouxe a consultoria como sombra, continua o trabalho, como se nada tivesse acontecido.
É o retrato fiel de um país onde a impunidade veste colete e capacete, e o roubo se disfarça de oportunidade.
O porto ergue-se, imponente, com guindastes e promessas, mas o seu alicerce está manchado por lágrimas e ilusões vendidas.
Enquanto as ondas batem contra o cais, o povo aprende que nem todo navio que chega traz riqueza, alguns trazem apenas a lembrança do que foi tirado.
Em Angoche, a brisa do mar continua a soprar, mas o cheiro é outro:
cheira a trabalho que não veio, a esperança que se perdeu e a silêncio que protege os culpados.
No fim, fica a pergunta que ecoa como sirene na baía:
“Quem paga quando a esperança é roubada?”
Porque aqui, onde o mar toca a terra e os sonhos tocam o impossível,
até as promessas sabem nadar, mas só para fugir.
-
CULTURA12 meses atrásVictor Maquina faz sua estreia literária com “metamorfoses da terra”
-
SOCIEDADE1 ano atrásIsaura Nyusi é laureada por sua incansável ajuda aos mais necessitados e recebe título de Doutora
-
DESPORTO1 ano atrásReviravolta no Campeonato Provincial de Futebol: Omhipithi FC é promovido ao segundo lugar após nova avaliação
-
OPINIÃO1 ano atrásO homem que só gostava de impala
-
ECONOMIA4 meses atrásGoverno elimina exclusividade na exportação de feijão bóer e impõe comercialização rural exclusiva para moçambicanos
-
OPINIÃO1 ano atrásDo viés Partidocrático à Democracia (Participativa)
-
DESTAQUE1 ano atrásAumenta número de estabelecimentos clandestinos de apostas na cidade de Nampula.
-
POLÍTICA4 meses atrásGoverno de Nampula com nova cara: nove novos administradores e várias movimentações
