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OPINIÃO

Os traumas da revolução dos “nativos digitais”

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Moçambique tem uma história marcada, desde os tempos imemoriais, por guerras violentas. Aquilo que as escolas formais ensinavam depois da independência, apontava as guerras milenares registadas entre tribos e etnias internas, as guerras de luta pela ocupação de terras aráveis e com climas favoráveis para ocupação humana como um exemplo de destruição do tecido social.

Essa realidade não terminou lá, continuou na luta de resistência contra a ocupação colonial. Foram ceifadas muitas vidas de nossos concidadãos, sobretudo, os que se opunham ao regime colonial. Nada fizemos para reparar os danos. Voltamos a somar números sem limites de assassinados, na luta pela independência, no final, nada foi feito de especial para sarar os traumas da guerra, mas era um simples começo.

Num passado que continua presente, as estatísticas oficiais teimam em apresentar gráficos, supostamente, com mais de 1000.000 (um milhão de mortos), durante a guerra de 16 anos, mas a seguir nada de sustentável foi feito para a reabilitação psicológica das pessoas.

Ou seja, a guerra dos 16 anos é um exemplo vivo de como continuamos a viver no mundo das trevas. Do jeito que as pessoas eram mortas, esquartejadas e expostas, um movimento de terapia profunda era necessário, para devolver a humanidade e humanismo que foi vítima do conflito.

Timidamente, movimentos paliativos foram desenvolvidos nas grandes cidades para simbolizar a reabilitação psicológica de algumas crianças vítimas da violência armada. Entretanto, como referi num texto que publiquei num jornal, em Novembro de 2024, o movimento de reabilitação e de reconciliação foi defeituoso, por conta da sua ineficiência e ter sido liderado por gente proveniente das alas militares beligerantes.

Quando parecia tudo estabilizado, eclodiram as manifestações de Mocímboa da Praia e Montepuez, nos anos 2000. Com elas se foram vidas que nunca contaram para quem tem tantas ao seu dispor. Na verdade, nada foi feito com vista a estancar as causas que deram lugar às asfixias massivas de Montepuez. Em seguida, vieram as chamadas hostilidades político-militares da região Centro do País, que, na verdade, chegaram em Murrupula, Mogovolas e Maúa — na região Norte, para além das grandes cidades onde mortes selectivas eram recorrentes e abaratas no meio das ruas.

Portanto, entre 2012–2017 foram ceifadas tantas vidas, que hoje, ninguém mais se lembra senão os familiares da 1⁠ª linha e amigos próximos. Mesmo assim, nada foi feito de concreto visando sarar as mágoas e minimizar os traumas.

Os anos 2023 e 2024 não quiseram passar em branco. Um movimento juvenil nasceu de forma espontânea, mas fruto de muitas mágoas e ódio latentes acumulados a “olhos e ouvidos ignorantes” de quem devia, não só, olhar, como também, ver e escutar. Os olhos que olham não criam condições para que se escute o que se diz. Eles propiciam o sujeito, a ser um mero ouvinte, digo isso, sempre, aos meus estudantes. Deve haver olhos com a função de ver.

Os jovens desta geração a que, Marc Prinsky (2001) chamou de nativos digitais, pelo facto de nascerem e crescerem na era das Tecnologias de Informação e Comunicação, usaram a morte do intervencionista musical, Edson da Luz (AZAGAIA), como marco para a realização dos seus planos-“Início de uma revolução baseada em no nativismo digital”.

Na verdade, não se trata de uma acção surpreendente, pois, em 2010, a revolta contra o custo de vida na cidade de Maputo foi um indicativo de quão as TICs eram um instrumento valioso para mobilização popular.

Com efeito, a AZAGAIZAÇÃO da juventude, tornou Moçambique um país difícil de viver, governar, de opinar e de pensar de forma diferente. Independentemente da posição a tomar antes do iceberg das eleições, colocava o indivíduo numa situação lamacenta. Ou seja, entre 2023, 2024 e princípios de 2025, muitos académicos perderam credibilidade por experimentarem colocarem-se num dos lados. O respeito perdeu a qualidade de verbo e a autoridade do estado ficou uma mera possibilidade.

O número de mortos na revolução dos nativos digitais, guiados e animados em lives e marchas aeróbicas, partilhadas em primeira mão nos vários grupos criados sem precedentes, espalhavam a horripilante realidade de ódio e desvalorização da pessoa humana em que a nação atingiu!

Muitas crianças ficaram órfãs de pais e mães, muitas mães ou muitos pais ficaram sem seus filhos. Muitas instituições perderam seus colaboradores, muitas comunidades viram seus membros desaparecerem, muitos alunos perderam seus professores, muitas escolas perderam seus entes queridos alunos. É um verdadeiro trauma que sobrou nesta época das tréguas!

E como a gente faz para contornar as experiências anteriores mal executadas e nunca eficientes e sustentáveis? Como fazer com que os meninos que ficaram expostos a estes traumas possam se recuperar gradualmente?

Como reconquistar a confiança e amor entre moçambicanos? Como fazer com que um aluno da 8a classe, por exemplo, perceba que a sociedade é organizada em estratos sociais e dependentes de forma coordenada um do outro?

Mais do que essas questões, o povo moçambicano está ciclicamente sujeito a traumas por conta da violência residente. Um movimento inter-religioso, inter-escolar e multipartidário, liderado pela academia e outros subsistemas de educação formal e não formal pode ajudar a amainar estes traumas da revolução dos “nativos digitais”

 

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