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OPINIÃO

Fui chumbado por ser da zona Norte e por ser radical

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Aos olhos da maioria, a concessão de bolsas de estudo deveria ser um processo pautado pela meritocracia, pela justiça e pela imparcialidade. No entanto, a realidade que vivenciei em Moçambique me fez perceber que o sistema, ao invés de premiar o esforço, o conhecimento e a competência, muitas vezes se revela um campo minado de discriminação e regionalismo. Foi isso que senti ao ser “chumbado” na minha candidatura a uma bolsa de estudos para o programa de mestrado em Cartografia Social e Política na Universidade do Maranhão.

A minha candidatura foi cuidadosamente preparada, com o devido detalhe e empenho, e certamente obedeci a todos os requisitos exigidos pelo processo. Contudo, fui surpreendido ao ser informado de que minha bolsa fora negada, enquanto outros candidatos, com o mesmo perfil acadêmico, foram admitidos sem maiores explicações. E foi aí que a perplexidade começou a tomar conta de mim. O que teria levado à minha exclusão?

A resposta, infelizmente, não foi difícil de encontrar. Como filho da zona norte de Moçambique, sou bem consciente de que o regionalismo ainda predomina nas mais variadas esferas da nossa sociedade, inclusive nos órgãos responsáveis por decisões tão importantes quanto a distribuição de bolsas de estudo. Ser do norte, sem o “apelido sulano” e sem o “compadrio” que parece predominar na concessão de privilégios, é uma realidade que se torna visível em momentos como este.

No entanto, o que mais me assusta não é o regionalismo em si, mas o motivo real que levou à minha exclusão: a minha posição crítica em relação ao regime. Como escritor, nunca deixei de levantar questões pertinentes e existenciais àqueles que perpetuam um sistema de opressão, de silêncio e de conformismo. Em um livro que escrevi, num passado não longínquo de forma crítica ao regime, expressei a minha visão de um Moçambique mais justo, mais livre, democrático e mais igualitário. Acreditava, inocentemente, que essas ideias seriam compreendidas como parte da liberdade de expressão e do direito ao pensamento divergente. Mas, como me foi demonstrado, essa “radicalidade” – que nada mais é do que a busca por um país melhor para todos – se tornou o principal fator de minha exclusão.

É incompreensível que, em pleno século XXI, um candidato à bolsa seja avaliado não apenas pelos seus méritos, mas pela sua origem geográfica e, mais ainda, pela sua posição política. A existência de um regionalismo exacerbado e de uma política que pune a crítica e o pensamento divergente é um sinal de retrocesso que deveria ser combatido de forma incansável por todos os que prezam a justiça e a igualdade.

Este comportamento é nocivo para um sistema que se quer democrático e plural onde a diversidade de ideias e opiniões é encarada como um entrave.

Por isto e por tudo, não posso deixar de questionar: qual é o real critério que norteia a distribuição de bolsas em Moçambique? Seria a competência acadêmica e a qualidade do projeto apresentado? Ou a lealdade ao regime e a conformidade com uma visão centralista e limitada da nação?

Deixo aqui ficar essas questões, na expectativa de que mais vozes se unam para exigir um sistema de bolsas que, de facto, valorize o mérito, a diversidade e a liberdade de pensamento, e que cesse de uma vez por todas com a discriminação regional e política que ainda persiste nas entrelinhas de nossas instituições. A luta por um Moçambique mais justo continua, e não será o medo de punir a crítica que irá nos silenciar.

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